É domingo e o Cara do
Espelho está de volta com mais um texto inédito. Desta vez, trago uma crônica que
fiz num daqueles momentos de inspiração: eu estava com gripe e com insônia na
madrugada do dia 01 de novembro. Tive que levantar da cama e escrever, porque
quando o texto pede pra sair, quem sou eu pra segurar?
A ironia é que o título do texto é "Esquece" e eu já ia esquecendo de publicar.
A ilustração do post é
uma foto tirada pela minha amiga Juliane Barbosa (palmas pra ela).
O texto vai ao som da
música que ecoava sem motivo em minha cabeça: “Memória da Pele”, de João Bosco.
Esquece
Eu
não domino a arte de esquecer, pois
tudo o que vejo, faço, ouço ou sinto está impregnado por alguma presença (ou
ausência) constante e implacável de alguma coisa que ficou no passado. Nem
entendo o meu espanto, sempre me vangloriei por ter uma excelente memória, de
lembrar coisas das quais ninguém mais lembrava e de ser do tipo de pessoa que
guarda os mínimos detalhes para “eternizar os momentos” – engrandece-los,
revivê-los e escrevê-los (coisa de escritor).
O
problema é que agora eu só queria esquecer,
mas eu guardei todos os detalhes e agora eles estão por toda a parte me fazendo
perder tempo e energia com o esforço de tentar apagar as lembranças e deixar
tudo isso para lá. Puro fracasso, tentar esquecer é lembrar duas vezes, reforçar a imagem, fazer doer.
Esquecer
deveria ser mais fácil, deveria ser algo automático, um simples comando consciente.
Bastaria “excluir histórico”, mas a realidade não é assim e não posso me esquecer disso. Esqueça isso de tentar esquecer, ninguém nunca me ensinou a
fazer isso. Esqueça as palavras derramadas e as lágrimas faladas. Esqueça que
precisa esquecer, talvez seja
necessário lembrar. Talvez esquecer não seja necessariamente esquecer, mas sim simplesmente não lembrar. Alguém já deve ter dito isso.
Esquece.
O
problema é sentir o coração apertado e lembrar
de que ainda não foi capaz de esquecer.
–
O quê?
Esquece,
eu não vou dizer de novo, já doeu dizer uma vez pra você querer que eu repita.
–
Por quê?
Esquece
o que eu disse! Esqueci de que não sou um bom exemplo.